31.7.15

Bloom – Arte e Jardins Efémeros



"Num ambiente urbano, há espaços que nos impressionam, dissimulados por entre uma paisagem em que não se imaginam. São intervalos inesperados no nosso quotidiano.
Bloom instalou-se num destes espaços urbanos e inventou dez jardins, em salas inesperadamente des/construídas, ao longo do edifício longitudinal, onde a linearidade é interrompida pela fragmentação das formas.
Um sítio idílico, que se nos apresenta assim incompleto, de dimensões indefinidas, delimitadas por algumas paredes e ilimitadas pela ausência de outras e de um tecto, e que, mesmo depois de se saber a razão dessa disformidade, volta a surpreender-nos com a sua espectacular e tranquila beleza.
A céu aberto estas salas tornam-se jardins. Estamos num sítio em que se tem a sensação de interior, mas que é muito mais exterior do que se poderia imaginar."

Luisa Baeta in Catálogo Bloom Arte e Jardins Efémeros, Fábrica da Pólvora de Barcarena, Julho 2015, Ed. Câmara Municipal de Oeiras e Traços na Paisagem





Sala 4 – A Horta  
de Sandra Casaca & Vanda Vilela

Espaço de cultivo com claras referências agrícolas e ecológicas e em que se pretende cativar para a compreensão das coisas da terra. Na Sala, o chão caiado de amarelo apresenta-se ritmado por baldes de zinco cheios de água, que vão em direcção a um estufim que contém vasos cerâmicos com plantas aromáticas. Na horta coroada de flores, seis canteiros com plantas hortícolas identificadas, distribuem-se em três níveis ascendentes/descendentes. Canas tutoram feijoeiros e tomateiros.

























"Mas logo que o jardineiro regressava à sua horta, estugava o passo, os gestos tornavam-se harmoniosos e precisos. Conhecia todas as plantas, todos os insectos pelo nome. Eram muitos os que vinham discutir com ele à noite, à hora em que as sombras se alongam, enriquecer-se com os seus conhecimentos sobre as estações, os legumes e os frutos, a sua sabedoria simples que herdara do mundo que governava."

Fredéric Richaud In O Jardineiro do Rei





















































Sala 1 – Jardim Verde 
de Rui Casaca, Sandra Casaca & Vanda Vilela

As árvores densas sombreiam as plantas rasteiras de folhagem verde, contrastando com o chão negro de granulado de pneu reciclado, numa clara alusão à pólvora. Natural e artificial dialogam por detrás duma cortina de fitas coloridas.






































































































" A pólvora é uma mistura de enxofre,  salitre e carvão, inflamável pelo calor e que liberta gases de grande expansão e força (...) O encasque era a operação mediante a qual se fazia a junção dos componentes em pasta homogénea. Para que fosse possível a granulação era necessário proceder à trituração dos componentes, à sua mistura e à conservação do pó em massa compacta."

António De Carvalho Quintela In A Fábrica da Pólvora de Barcarena e os seus sistemas hidráulicos




















































Sala 2 – Jardim Verde 
de Sandra Casaca & Vanda Vilela

Assistimos ao crescimento de um campo de girassóis. Aprendemos a observá-los de perto e aguardamos que floresçam. Flores de coloração amarela, chão coberto com folhas de eucalipto e toros como bancos, formam a paisagem ritmada que receberá os pequenos criadores dos atelier infantis.
























"Originário dos Estados Unidos, o girassol foi introduzido na Europa como planta ornamental;(...) é sobretudo cultivado em larga escala pelo óleo que se extrai das suas sementes. Excelente com óleo alimentar, também tem utilização industrial para fabrico de tintas e vernizes.(...) As pétalas das flores foram utilizadas em tinturaria, dando tons de amarelo dourado mais ou menos ruivo e acobreado."

Aline Raynal-Roques; Jean Claude Jolinon In Les Peintres des Fleurs



















































Sala 3 – Jardim dos Quadrados 
de Sandra Casaca & Vanda Vilela

No pátio um jogo de quadrados em que espaço e tempo são accionados pelas diferentes direcções de quem o percorre. No jardim o quadrado branco materializa a estabilidade da terra e contrasta com a imperceptível dinâmica do crescimento das flores.
A sala encontra-se coberta por material solto recicláveis de cor verde, resultante da trituração de garrafas de plástico, alternando com vários estrados de madeira coloridos.























































" "As idades do mundo, a vida humana, o mês lunar são ritmados pelo quaternário, mas as quatro fases do movimento cíclico exprimem-se pelo circulo, a divisão pela cruz dos dois diâmetros perpendiculares é a verdadeira quadratura do círculo. A terra medida pelos seus quatro horizontes é quadrada(...) O quadrado é a figura base do espaço, o círculo, e particularmente a espiral, a do tempo."

Jean Chevalier; Alain Gheerbrant In Dicionário de Símbolos

























Sala 4 – Jardim Silvestre
de Sandra Casaca & Vanda Vilela

Um jardim pontuado de pequenos abrigos oferece-se ao olhar de quem do lado de cá do muro repousa num ambiente de formas geométricas ordenadas. Na sala revestida de casca de pinheiro dez "poufs" hexagonais coloridos dispostos como favos. No jardim, flores silvestres aperitivas para insectos onde estão instaladas seis colmeias.

























"(...) enquanto casa a colmeia é segura, protectora, maternal. Enquanto colectividade, laboriosa, e quanto! O barulho da colmeia não é do atelier, da fábrica ela simboliza a união aplicada, organizada, submetida a regras estritas, que tem a propriedade de acalmar as inquietudes fundamentais do ser e de dar paz."

Jean Chevalier; Alain Gheerbrant In Dicionário de Símbolos
 



















































Sala 5 – Un/Present 
De Cláudio Rego & Pedro Filipe

Uma instalação que amplifica e transforma a realidade sonora do local.
Nos últimos trinta anos os muros destas salas conservaram um universo que antes mantinham afastado. Hoje a inquietação exterior pressiona mais uma vez a sua existência.
Qual é esse mundo? O que nos diz?
Ruínas, muros cobertos de musgo, vegetação espontânea, folhas caídas, pedras e troncos secos. Insectos, répteis e pequenos mamíferos. O bar, o parque de merendas, os prédios em construção, a via rápida e a ferrovia.
Qual destes mundos é o nosso? O que ouvimos dele? 


                 
Sala 8 – Little Wonder
De Cláudio Rego & Pedro Filipe

Na sala oito existe uma máquina em ruínas. No interior desta, uma vitrina. Dentro da vitrina encontra-se um jardim em miniatura.
Um jardim encanta-nos enquanto espaço lúdico de estimulação dos sentidos. O que nos atrai é a ordem, a simetria, a plastificação da natureza.Sendo uma manipulação da natureza, o jardim é por definição ,artificial, mas no caso de uma construção em escala reduzida o artifício é ironicamente ampliado. O primeiro contacto que o visitante tem com este pequeno éden é ilusório, pois é feito por meio de uma manipulação da perspectiva, característica dos sistemas de vídeo, estabelecendo uma existência alternativa ao objecto observado. É-nos, assim, induzida uma imagem do real pré-definida e pré formatada. É esse real que nós queremos encontrar a fruição do espaço.
A relação com a imagem para o qual o mundo moderno nos convoca leva-nos a reflectir sobre os novos filtros de contacto com o real, mas faz-nos esquecer que, antes dessa tomada de consciência, o que já nos parecia real era filtrado pelo contexto. Como afirma Derrida, o conceito de contexto é exíguo, pois " um contexto nunca é absolutamente determinável".


Sala 10 – Caminho - Jardim Aromático
De Cláudia Baeta & José Fragateiro

Sugestão de um caminho tornado visível por uma marcação do solo, contornado por cheiros de plantas aromáticas, que seduzem a atravessar o jardim. Este caminho faz a passagem do lado da frente do edifício para o lado de trás, de onde são também visíveis os trabalhos de cada uma das salas. O contraste entre volumes criados pelos tufos de plantas e as cores das diferentes espécies, variam entre verde secos azulados, verdes mais vivos, verdes dourados ou prateados de espécies como o alecrim, o rosmaninho, a santolina, ou a menta.
Entra-se num quintal em que os objectos nos são familiares e têm marcas que reconhecemos do uso.







































































































Sala 10 – A Selva - Jardim do Homem Azul 
De Cláudia Baeta & José Fragateiro

A Selva é a maneira como a natureza se exagera a si própria, se torna cenográfica, como se só pudesse existir fora da realidade.
Um espaço em que a escala inesperadamente ampliada das formas vegetais reporta para uma dimensão fantástica de abundância, generosidade e estranheza. A necessidade de criar um afastamento entre o visitante e elementos previamente existentes no espaço, que poderiam representar perigo, foi o início desta ideia de cenário.




















































Sala 7 – Jardim dos Caniços
De Cláudia Baeta & José Fragateiro

Nesta sala em ruínas guardam-se paisagens, como num livro em cujas páginas se guardam folhas e flores memoráveis. Aqui cada pedaço evoca imensidão...um estado de alma.
Lembrando água surgem caniços delgados rodeados de saibro negro do rio. Este é o lugar do olhar.
Já num segundo plano e em declive, um fragmento de bosque segue até à margem, é o lugar de quem olha. Se olhar para cima, como o virar de página...um quadrado de céu.






































































"Um lago é o traço mais belo e expressivo da paisagem. É o olho da terra, onde o espectador mergulhando o olhar, sonda a profundidade da sua própria natureza."

Henry David Thoreau In Walden ou a Vida nos Bosques 



"Bloom nasce talvez de uma ideia romântica de criação de jardins ou de uma necessidade frequente de manter um contacto com o verde, interrompido pelo quotidiano urbano. Como uma marquise que se transforma em estufa num décimo primeiro andar, cheia de plantas, tudo verde por fora, diferente de todas as outras marquises de todos os prédios iguais. Ou como uma casa abandonada repleta de ervas e figueiras, que nascem por todo o lado, em circunstâncias em que quase nada permanece.
É um projecto efémero de longo prazo, que se manterá neste espaço pelo tempo de vida das plantas que ali permanecerão, mesmo depois do fim do tempo das instalações plásticas e audiovisuais."

Luisa Baeta in Catálogo Bloom Arte e Jardins Efémeros, Fábrica da Pólvora de Barcarena, Julho 2015, Ed. Câmara Municipal de Oeiras e Traços na Paisagem



O projecto Bloom realizou-se entre abril a julho de 2005, na Fábrica de Pólvora de Barcarena, no Edifício das Máquinas a Vapor. Uma organização conjunta da CMO e Traços na Paisagem com concepção original e comissariado de Sandra Casaca e Vanda Vilela.
Foi um projecto dinâmico que ofereceu aos visitantes a possibilidade de descobrir jardins inventados por artistas, ateliês de artes plásticas, jardinagem e leitura, fabrico de instrumentos musicais, assim como performances – Un Present, de Cláudio Rego e Pedro Filipe, Bloom - Garden e Bloom Tree, de Andresa Soares e João Garcia Miguel – e um seminário internacional sobre o tema "arte-paisagem" comissariado por Pedro Brandão.

*As fotografias desta publicação são da autoria de Artur Henriques

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